Enjoou da compra realizada na última Black Friday? O planeta também y72k

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A cultura da moda rápida transformou roupas em produtos descartáveis, acelerando a geração de resíduos para acompanhar tendências

  • Por Helena Degreas
  • 07/06/2025 08h00
  • BlueSky
Paulo Pinto/Agência Brasil Fachada de lojas na Avenida Paulista com ofertas da Black Friday Fachada de lojas na Avenida Paulista com ofertas da Black Friday

Caro leitor, enquanto você lê este artigo, aproximadamente 60 caminhões carregados de roupas estão sendo despejados em aterros sanitários ou incinerados ao redor do mundo. No tempo que você levará para chegar ao final desta leitura, outros 180 caminhões terão seguido o mesmo destino. Estes números refletem uma crise silenciosa que começa nos nossos hábitos de consumo, ou seja, dentro dos nossos guarda-roupas e que impacta os recursos naturais de todo o planeta.

Você já pensou quantas vezes usa a mesma roupa antes de “enjoar” dela? A cultura da moda rápida transformou roupas em produtos descartáveis, acelerando a geração de resíduos para acompanhar tendências. No Brasil, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) estima que foram produzidas 9 bilhões de peças em 2024, o que significa cerca de 40 por habitante. Simultaneamente, o país descarta 4,6 milhões de toneladas de resíduos têxteis anualmente, equivalendo a 44 kg por brasileiro.

Por trás dessas promoções irresistíveis encontra-se um mecanismo psicológico sofisticado, em que a interação entre o comportamento do consumidor e fatores como materialismo e influência social cria um ciclo vicioso de insegurança que alimenta compras impulsivas. Consumimos não por necessidade real, mas porque buscamos aceitação social ou tentamos preencher vazios emocionais, uma busca fadada ao fracasso, pois mais roupas dificilmente satisfazem essas carências profundas.

Enquanto gerações anteriores usavam roupas por anos ou décadas, hoje descartamos peças após pouquíssimos usos, com uma frequência 15 vezes menor que há 15 anos. É como comprar um carro novo e abandoná-lo após percorrer pouquíssimos quilômetros, apontando para o desperdício de recursos naturais e investimento. Quantas horas precisamos dispender de nossas vidas trabalhando para consumir algo e descartar logo depois? E como se estivéssemos descartando nossas horas de vida junto.

Durante o processo de confecção, produtos químicos como corantes e alvejantes poluem água, solo e ar, prejudicando ecossistemas e saúde pública. O transporte de têxteis adiciona mais poluição através de emissões veiculares e dos demais meios de transporte, levando cada peça a carregar uma trilha de destruição ambiental desde sua criação até o descarte.

E quando decidimos que não queremos mais essas roupas? Muita gente acha que doar ou usar coletores de reciclagem resolve, mas a realidade mostra que 80% dos resíduos têxteis são incinerados ou aterrados. No Brasil, apenas 20% são reciclados, enquanto 136 mil toneladas viram lixo anualmente.

Globalmente, os EUA produzem 15,5 milhões de toneladas anuais de resíduos têxteis. O mais chocante é que nosso “descarte consciente” vira problema para outros países. No deserto do Atacama, 300 hectares estão cobertos por roupas descartadas. Para você ter uma real dimensão do problema, essa área equivale a 420 campos de futebol e representa quase metade do Central Park de Nova York. Para atravessar uma área tão extensa, você precisaria de carro. A pilha de roupas é tão gigantesca que pode ser vista literalmente do espaço, aparecendo em imagens de satélite como uma mancha estranha na paisagem desértica.

Os materiais atuais, aqueles tecidos sintéticos fáceis de lavar na máquina e que nem precisam ser ados a ferro, tornam a situação mais grave. Levam de 100 a 400 anos para se decompor e liberam microplásticos encontrados no corpo humano. Estamos literalmente respirando pedacinhos das próprias roupas. 

No Brasil, só no Bom Retiro são descartadas 12 toneladas diárias de sobras. No Brás, 45 toneladas diárias — 16 caminhões de lixo. Por que não reciclamos? Como os fornecedores pagam apenas alguns centavos por quilo aos catadores, a solução encontrada pelos fabricantes, que é mais barata porque não tem custo direto algum, é descartar tudo em aterros.

Paralelamente à necessidade de revisarmos nossos critérios de consumo, existe um potencial econômico gigantesco sendo literalmente descartado junto com as 4,6 milhões de toneladas de resíduos têxteis que o Brasil produz anualmente. A economia do upcycling revela números impressionantes: a Fundação MacArthur estima que US$ 500 bilhões são perdidos globalmente por falta de reciclagem, enquanto no Brasil desperdiçamos R$ 14 bilhões anuais em empregos não criados na cadeia de reciclagem têxtil.

A transformação do “lixo” em novos produtos já é uma realidade concreta e promissora e que vem sendo realizada em muitos países. Resíduos têxteis estão sendo convertidos em tijolos para construção com melhor isolamento térmico, estofamentos automotivos mais duráveis e enchimentos de móveis sustentáveis. Inovações tecnológicas como tingimento sem água e separação de fibras mistas reduzem o impacto ambiental em até 70%, criando tecidos novos com qualidade idêntica aos produzidos com materiais existentes. 

O mercado global de reciclagem têxtil, avaliado em US$ 5,5 bilhões e crescendo 12% ao ano, demonstra o potencial econômico real desta transformação. Para ter uma ideia do impacto ambiental, cada quilo de resíduo têxtil reciclado evita a emissão de 3,6 kg de CO2 na atmosfera, o equivalente ao que uma árvore adulta absorve em aproximadamente seis meses. Se uma família brasileira reciclasse os 44 kg de roupas que descarta anualmente, seria como plantar oito árvores por ano. Quando multiplicamos pela escala nacional, se o Brasil reciclasse todos os seus resíduos têxteis, evitaríamos 16,5 milhões de toneladas de CO2, equivalente ao trabalho de uma floresta do tamanho de 1,6 milhão de hectares, maior que todo o estado de Sergipe.

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A reciclagem também gera oportunidades de emprego especializado, desde coletores e classificadores até designers de upcycling além de engenheiros de materiais sustentáveis. Cooperativas de catadores já demonstram que é possível criar renda digna a partir de resíduos têxteis quando existe infraestrutura adequada e valorização justa do material. Esta realidade revela uma oportunidade de investimento extraordinária para empreendedores visionários e políticas públicas inteligentes que conseguirem ver valor econômico onde outros enxergam apenas desperdício ambiental.

Como consumidores, é hora de comprar menos e escolher melhor. Antes de qualquer compra, vale a pergunta simples: “Eu realmente preciso? Vou usar por quanto tempo?” 

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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